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Dispensação personalizada: uma tendência nas farmácias americanas

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Dispensação personalizada: uma tendência nas farmácias americanas

A compra recente da PillPack pela Amazon, por um valor próximo a 1 Bilhão de dólares, chamou a atenção do mundo para uma novidade no mundo da dispensação de medicamentos: o advento das tiras de doses unitárias e blisters personalizados. São os “convenience packaging”  ou “adherence packaging”, como são chamados nos Estados Unidos.

Lembre-se que por lá os medicamentos costumam ser dispensados em frascos rotulados com as informações específicas do paciente e a quantidade de comprimidos é contada. Apesar dos recursos de automação já disponíveis, muitos farmacêuticos ainda gastam uma boa parte do seu tempo na farmácia “contando pílulas”. 

Sistema tradicional de dispensação de medicamentos nos Estados Unidos. Contagem de comprimidos e frascos.

Esses blisters são grandes (algo como 15cm X 25cm) e podem conter um ou mais medicamentos utilizados pelo paciente, organizados juntos nos horários em que devem ser tomados, facilitando o gerenciamento e a adesão do paciente ao tratamento. Geralmente, contém medicação suficiente para 7 ou 8 dias de tratamento.

A dispensação personalizada é um serviço que facilita a vida de quem toma vários medicamentos e muda a forma de operação das farmácias.

No congresso da NCPA (National Community Pharmacists Association) deste ano esse assunto esteve na pauta principal, já que muitas farmácias fazem o que a PillPack faz há muitos anos. A discussão se concentrou em como as farmácias independentes podem agregar valor ao seu negócio, trabalhando com os sistemas personalizados de dispensação para pacientes polimedicados. Esses sistemas podem ser de dose-diária ou multi-doses.

Sistemas dose-diária e multi-doses

Sistemas dose-diária são blisters que contém apenas um tipo de medicamento. Algo semelhante aos blisters que temos no Brasil, porém são blisters bem maiores, personalizados, e podem conter medicação suficiente para 30 dias, por exemplo. Se o paciente toma mais de um medicamento, deverá receber um blister separado por medicamento.

Sistema de Blister dose-diária para um medicamento

Sistemas multi-dose são mais interessantes, pois agregam vários medicamentos no mesmo blister, agrupando os comprimidos conforme horário de tomada. No verso do blister, cada compartimento é identificado com os medicamentos que contém e geralmente há um resumo dos medicamentos em uso, orientações e médico prescritor no cartão de papelão do blister. 

Sistema multi-dose: vários medicamentos em um blister. Crédito: RxMap

O sistema multi-dose pode estar em um formato alternativo ao blister, em doses unitárias embaladas em uma tira plástica contínua. Esse é o sistema que ficou famoso com a PillPack. Essa tira geralmente é colocada enrolada dentro de uma caixa, contendo medicação suficiente para 1 mês. Essa caixa pode ser  enviada diretamente para a casa do paciente pelo correio, por exemplo.

Para entender melhor como os blisters/tiras são montados, vamos conhecer quais são os sistemas disponíveis para essa finalidade.

Sistemas de selagem a quente

Sistemas que utilizam tecnologia a quente para selar os blisters. Requerem utilização de equipamentos específicos que podem ser manuais ou automáticos. Permitem a criação de blisters mono-dose ou multi-doses e a rotulagem é feita diretamente no cartão do blister. A qualidade da selagem tende a ser melhor e o calor não altera a qualidade do medicamento, no entanto a operação é um pouco mais complicada do que no sistema a frio.

Sistemas de selagem a frio

São os sistemas mais simples e manuais. Basicamente, os comprimidos devem ser organizados manualmente dentro dos blisters e o mesmo é fechado a frio, com cola. Também permitem a criação de blisters mono-dose ou multi-doses. No sistema manual, a chance de erro é maior, então é preciso atenção redobrada.

Tecnologia robótica

Aqui começa a novidade. São máquinas que permitem automatizar todo processo de contagem e organização dos comprimidos e cria sistemas de doses unitárias. A PillPack desenvolveu este tipo de tecnologia, mas já existem vários outros fornecedores nos Estados Unidos que permitem a qualquer farmácia oferecer um serviço idêntico ou até melhor do que a PillPack. As vantagens são aumento da eficiência, ganho de escala e redução de erros. A desvantagem está no investimento de aquisição dos equipamentos.

Essas tecnologias permitem, inclusive, que a farmácia crie serviços com marca própria, como é o caso da Love Oak Pharmacy, que fica no Texas. Seu responsável, o farmacêutico Benjamin McNabb, ganhou um prêmio no congresso da NCPA por esse trabalho.

Introduzindo Adherence Packaging na operação da farmácia

A implantação de um serviço como esse pode ser mais complicada do que parece. O ‘core’ do serviço está em gerenciar toda a medicação do paciente, incluindo receitas, datas de retirada, entrega delivery ou atendimento agendado, entre outros detalhes que vão muito além da montagem do blister. Além disso, será preciso lidar com os custos da operação, eficiência, gestão de erros, precificação, marketing e cobrança do serviço. 

O processo de implantação pode ser resumido nas seguintes etapas:

  • Os medicamentos devem ser sincronizados para que o refill de todos seja feito no mesmo dia.
  • Os pacientes do serviço são organizados em um calendário de atendimento, para que não fiquem concentrados todos em um período muito curto do mês.
  • Os pacientes devem ser consultados mensalmente sobre alterações sofridas no tratamento, antes de preparar os blisters/doses do mês.
  • Os médicos devem ser contactados em caso de alterações ou necessidades de renovação de receitas.
  • A medicação deve ser preparada com antecedência da data de retirada ou envio e eventuais cobranças da medicação devem ser previamente aprovadas (no caso de PBMs, p.ex.).

Há melhoria palpável na adesão dos pacientes ao tratamento?

Sim. Há vários estudos monstrando isso. Um ensaio clínico randomizado publicado em 2018 demonstrou que o uso de Blister Pack, sozinho ou associado a acompanhamento farmacoterapêutico do paciente, melhorou sensivelmente a adesão (medida em proporção de dias cobertos) e parâmetros clínicos de controle de doenças crônicas como hipertensão e diabetes, em comparação ao sistema tradicional de dispensação em frascos.

A dispensação personalizada é o futuro da farmácia?

Difícil saber, mas esta foi uma frase usada com alguma frequência pelos palestrantes do congresso. A entrada da Amazon no varejo farmacêutico Americano, se vier a ocorrer através da PillPack, também aponta nessa direção.

O fato é que o sistema tradicional de dispensação e refil não agrega mais valor e pode tornar a vida do paciente mais difícil. Vender o medicamento pela internet e entregar com conveniência também não será mais suficiente. A busca é pela personalização, agregando o medicamento a um serviço abrangente de gerenciamento do tratamento. A tendência é por uma convergência total produto-serviço, inclusive abrindo espaço para sistemas alternativos de cobrança, como por exemplo, as assinaturas. A farmácia está se tornando o serviço onde se resolvem questões de custo, receita, interface com PBMs ou planos de saúde, acompanhamento da doença, organização e obtenção de tratamentos exatos e convenientes. 

As farmácias independentes americanas e seus proprietários farmacêuticos estão enfrentando provavelmente o maior desafio de sua história, com o aumento do alcance das grandes redes, como Walgreens e CVS, e a ameaça da entrada da Amazon. Uma das saídas, segundo eles, está nessa personalização total dos serviços, incluindo a dispensação, além de outros serviços como imunização, testes rápidos, consultas e acompanhamento de pacientes.